Antes de mais nada, quero parabenizar a ação dos
colegas profissionais de Educação Física que atuam como personal trainer em Aracaju, que
demonstraram a capacidade e o poder de organização que culminou com a
aprovação do PLO 18/2015 que assegura o livre acesso dos personais nas
academias, para acompanhamento de seus clientes, sem a cobrança de quaisquer
custos adicionais. O Estado Democrático de Direito garante a organização
popular e a legítima defesa dos direitos individuais e coletivos. Parabéns à
Associação Sergipana de Personal Trainer.
Corro o risco de ser mal interpretado pelos colegas
profissionais, mas não é perfil deste blogueiro ficar na zona de conforto só
para evitar as polêmicas. Me limito a discutir o mérito da lei começando com a seguinte
pergunta:
ATÉ ONDE VAI O PODER DO ESTADO DE INTERVIR NA
INICIATIVA PRIVADA?
Observemos o que diz o art. 2º da Lei que ora
discutimos:
Art. 2º – As academias
de ginástica ficam obrigadas a afixar em local visível quadro informativo com
os seguintes dizeres: “o usuário desta academia poderá ser acompanhado por seu
personal trainer particular, sem custo extra para nenhuma das partes” ou “esta
academia disponibiliza de um quadro de personal trianer para atendimento
exclusivo do aluno contratante”. (sic)
Não vou discutir a forma do texto,
pois acredito (e espero), o mesmo passará por uma revisão
ortográfica/gramatical final. Minha preocupação é com o conteúdo.
Havia dito em postagens anteriores que a proibição
da cobrança da taxa de repasse é inconstitucional e ilegal. Reafirmo. Mas os
legisladores de Aracaju foram além: estão obrigando os proprietários de
academias, que como sabemos em sua maioria também são colegas de profissão, a permitir
o livre acesso de todos os personais que acompanharem seus clientes.
Se a moda pega, poderemos obrigar os hospitais
públicos a aceitarem que médicos particulares, contratados diretamente pelos
pacientes, utilizem toda sua estrutura e equipamentos para a realização de
cirurgias, uma vez que a citada estrutura é financiada pelo pagamento de
tributos dos próprios pacientes.
Para focar na seara da economia privada, poderemos
obrigar as oficinas autorizadas, que chegam a cobrar R$ 400,00 a hora de mão de
obra, a disponibilizarem gratuitamente todas as suas ferramentas para que eu
possa levar meu mecânico particular para consertar meu carro, bastando para isso
que eu adquira as peças utilizadas no conserto na própria concessionária.
Ironias à parte, voltemos ao fulcro da questão,
agora com algumas indagações mais técnicas:
1. Se o personal trainer, contratado diretamente
pelo cliente, causar-lhe algum dano, a academia responderá solidariamente no
caso de uma possível indenização?
2.
O personal trainer poderá demandar pelo vínculo
empregatício, uma vez que a legislação trabalhista vigente veda a terceirização
da atividade-fim?
3.
No caso de uma fiscalização do conselho
profissional, identificado o exercício ilegal da profissão, a academia será
autuada e seu responsável técnico responderá junto ao tribunal de ética? Caberá
o ônus do controle da relação entre contratante e contratado à academia?
4. Se o personal trainer receber pagamento
antecipado do cliente e não prestar o devido serviço (profissionais antiéticos
existem em qualquer profissão), a academia responderá subsidiariamente pela
repetição do indébito?
5. Qual a relação quantitativa ideal professor x clientes que levou à redação da parte final do artigo supratranscrito?
6. A lei se aplica somente à musculação ou a qualquer atividade dentro da academia, como natação, p. ex.?
7. Qual a natureza jurídica da relação entre a academia e o cliente: locatícia ou consumerista?
Esses são alguns dos problemas que terão que ser enfrentados pelos colegas de Aracaju, embora acredite que a lei ainda será alvo de ações que arguam sua ilegalidade e inconstitucionalidade. Mas como sempre digo: “a justiça não socorre a quem dorme”.
Por fim, o que realmente me preocupa nisso tudo é o
peso da mão do Estado sobre a iniciativa privada, cuja proteção encontra
guarida na Constituição Federal. Se já não bastasse o Poder Público acharcar os
estabelecimentos com uma carga tributária que está entre as maiores do mundo,
agora aposta em um intervencionismo digno dos Estados ditatoriais, burocráticos
e centralizadores. Tudo é do Estado!!!
O muro de Berlim caiu, a União Soviética se
dissolveu, a China, embora continue comunista (será????) abriu suas portas para
os mercados externos e ainda nos deparamos com alguns que defendem o Leviatã (Tomas
Hobbes).
Não faço o gênero “profeta do caos”, ao contrário,
me vejo mais como um modesto provedor de soluções do que criador de problemas,
mas estou preocupado com os efeitos de iniciativas como esta, principalmente porque
já vislumbro outros municípios seguindo o mesmo caminho.
Saudações.
De fato a intervenção exagerada do estado em questões como esta é preocupante, até mesmo por que não existe relato de coisa parecida em outras áreas. Sem que este seja um espaço que colocar questões partidárias, mas me parece que o modelo adotado pelo partido hoje no poder, onde a intervenção, atuação extrapolam os limites do razoável. Não havendo dano a sociedade, a categoria profissional em questão a preservação do direito de quem montou a academia conduzir a mesma da forma que entender é importante. Ações como estas abrem um horizonte nebuloso no país no que diz respeito ao papel do estado, pois o que impede que amanha ou depois um padeiro faça uma solicitação como esta para vender o seu pão na padaria de alguém? Ou que um médico atenda em um consultório de outro médico que pelos seus recursos próprios planejou, investiu, gastou para que o seu negócio fosse viabilizado? O grande ponto aqui é até onde o estado tem direito de intervir? E a onde este tipo de postura adotada pelo estado que abre um precedente perigoso pode parar? A América Latina tem relatos contundentes de que ações como esta, onde o Estado regula tudo, acaba com regimes ditatoriais onde a liberdade acaba sendo sempre sacrificada.
ResponderExcluirPrezado Prof Maurício Fidelis,
ExcluirMuito obrigado por seu comentário e por complementar de forma tão brilhante meu sentimento.
Saudações.
Acho que seus exemplos para comparar o que significa esse "decreto" em termos de intromissão, de abuso, foram brilhantes! Há que se lutar, porém é preciso pensar bem em todas as consequências. Nesse caso, por exemplo, elas podem ser desastrosas!
ResponderExcluirAgradeço imensamente seu comentário, embora você seja suspeita.
ExcluirBeijos.
Depois de ler o comentário dos colegas fico ate tímido com as palavras, porém ainda duvidoso com o futuro de um país que a cada ação desvaloriza ainda mais o cidadão de bem, aquele que de forma labutaria contribui para o desenvolvimento do seu país e consequentemente do seu povo. Dizem que "cada povo tem os governo que merece" e me pergunto sempre, será que o povo brasileiro merce isso?
ResponderExcluirAmigo Flavio Bottino,
ResponderExcluirEm primeiro lugar, muito obrigado por seu comentário.
Também me faço muito essa pergunta, e como otimista que sou, entendo que o Brasil ainda está aprendendo a viver em democracia. Dos nossos 515 anos de invasão dos europeus, vivemos menos de 50 anos de democracia e ainda assim, em períodos descontínuos. Não assimilamos ainda o que seja eleger um representante, tampouco o que fazer com aqueles que traem nossa confiança. Vamos chegar lá!!
Saudações.
Caro Roberto,
ResponderExcluirNão entendi o seu comparativo com os Médicos, baseado em que você cita esse exemplo? Você acredita que NÃO HÁ LIVRE ACESSO DOS MÉDICOS?
Oi Tudo bem?
ExcluirEm primeiro lugar, muito obrigado por seu comentário.
Pelo contrário...
O art. 25 do Código de Ética Médico diz explicitamente que os médicos têm o direito de internar e assistir seus pacientes em qualquer hospital, filantrópico ou privado.
E qual o espírito deste dispositivo normativo?
Um dos princípios de nossa Constituição se refere à função social da propriedade. O bem maior a ser protegido é a vida e no caso deste artigo, não há nenhum cunho econômico embutido.
Falando agora das leis que vêm aprovando a vedação ao repasse por parte dos personais às academias e, ao mesmo tempo obrigando os estabelecimentos a permitirem a entrada destes profissionais, o objeto da lei é, sem dúvida, uma questão econômica, que se consubstancia na relação existente entre academia e personal.
Em síntese, a comparação se refere à questão econômica e não a questão social e humana que norteia o art. 25 do Código de Ética Médico e que não está presente nas leis de proteção ao personal trainer.
Saudações.