domingo, 20 de agosto de 2017

EDUCAÇÃO FÍSICA PARA QUE, SE QUERO SER TREINADOR DE FUTEBOL?

Começando por onde terminei a postagem anterior, na qual tratei da competência legal do treinador de futebol, chegou a hora da “porca torcer o rabo”.
Sei que a posição que ora apresento é bastante polêmica e certamente irá despertar muitos comentários contrários, o que é sempre muito bom, ao menos para mim que aprendo com cada debate.

Para deixar claro, de antemão penso que para qualquer atividade laboral, o profissional precisa de formação e isso não é diferente para o treinador de futebol. Obviamente, somente a experiência acumulada ao longo da vida de atleta não credencia ninguém a atuar como treinador. É preciso uma formação técnico-científica que se some à prática desportiva.

O que discuto é qual o nível de formação necessário para que alguém possa atuar como treinador de uma equipe profissional de futebol. Será que é realmente necessária a conclusão do curso superior de Educação Física?

Usando como parâmetro a matriz curricular de um curso de Bacharelado em Educação Física de uma universidade pública do Rio de Janeiro, pergunto: para alguém que queira atuar EXCLUSIVAMENTE como treinador de futebol, o que contribuirão disciplinas como:

Ginástica Geral Analítica I e II; Iniciação à Informática; Teoria dos Desportos Individuais; Práticas Metodológicas dos Desportos Individuais I, II e III; Estudos do Lazer na Atividade Física; Recreação na Educação Física; Nutrição Aplicada à Educação Física; Práticas Metodológicas do Voleibol; do Handebol; do Basquetebol; da Natação; Folclore e Culturas Populares; Gerontologia; Educação Física Adaptada; Teoria e Prática do Lazer; Dança na Educação Física; Políticas Públicas de Saúde na Educação Física; Educação Física Comunitária; Atividade Física em Parques Aquáticos?

IMPORTANTE:

Estou me referindo exclusivamente àqueles que pretendem atuar como treinadores de futebol de equipes profissionais. Se formos falar de treinamento para categorias de base, a coisa muda completamente de figura, uma vez que o conhecimento de outras modalidades e manifestações culturais é imprescindível para quem ministra atividades desportivas para crianças, cujo principal objetivo no que se refere à aprendizagem de habilidades especializadas é o aumento do repertório motor, que depende diretamente da variabilidade de prática.

Em minha modesta opinião, o treinador de futebol de categorias principais não necessita, via de regra, de diploma de Educação Física. O que não quer dizer que não precise de formação.

Antecipando os contra-discursos:

  • sem a formação em Educação Física coloca-se em risco a sociedade – se considerarmos que somente um número relativamente insignificante de atletas consegue chegar ao alto rendimento, a “sociedade” não está em risco. Se além disso, na formação esses atletas forem treinados por profissionais de Educação Física, aí nem mesmo eles estarão tão expostos;
  • todo treinador é um professor – em que pese a carga apaixonada do discurso, treinador de equipes profissionais não atua como professor, embora nada impeça que o seja. O objetivo é o resultado, mesmo porque, os atletas já chegam praticamente formados. Os professores devem estar nas categorias de base, onde todas as dimensões de desenvolvimento dependem dos estímulos corretos;
  • sem formação em Educação Física os “leigos” dominarão o mercado – leigo é aquele que revela pouca ou nenhuma familiaridade com determinado assunto, no nosso caso, com treinamento de futebol. Sob esta ótica, apesar dos 32 anos de magistério e alguns cursos realizados, me declaro leigo para treinar equipes desta e de diversas outras modalidades desportivas;
  • essa fragmentação desvaloriza a profissão de Educação Física – a valorização deve passar, necessariamente, pelo reconhecimento claro por parte da sociedade de qual é a contribuição que a nossa profissão pode dar através de suas atribuições/ações. Defender que o trabalho com crianças na base do desporto seja desenvolvido exclusivamente por profissionais de Educação Física, me parece bastante palatável. Defender que somente profissionais de Educação Física possam dirigir equipes profissionais de futebol, soa como reserva de mercado.
  • os cursos de graduação formam profissionais generalistas – o problema é que o modelo de curso que temos no Brasil forma o SUPER-GENERALISTA, habilitado para tudo...capacitado para pouco. Se tivéssemos modelos como em outros países, com uma formação básica comum nos primeiros anos e com a possibilidade de aprofundamento em áreas de interesse dos estudantes, poderíamos pensar de outra forma. Aliás, as diretrizes curriculares da Graduação em Educação Física sugerem exatamente isso:

A critério da Instituição de Ensino Superior, o projeto pedagógico do curso de graduação em Educação Física poderá propor um ou mais núcleos temáticos de aprofundamento, utilizando até 20% da carga horária total, articulando as unidades de conhecimento e de experiências que o caracterizarão.

Diante de todo o exposto, acredito que deveríamos rediscutir todo o modelo de formação em Educação Física no Brasil e, depois disso, estabelecer os limites de atuação profissional. Ampliar o escopo do Conselho para admitir (agora eu apanho! 😁) outros segmentos de categoria, como treinadores desportivos, talvez... Lutar pela revisão da Lei 8.650/93, não para impedir que não diplomados possam atuar como treinadores de futebol, mas para delinear claramente qual a formação necessária para cada "treinador", de acordo com sua efetiva atuação: para a base, apenas profissionais de Educação Física.

Bom... o tema é complexo e a postagem já está muito longa. Vou ficando por aqui.

Só para deixar claro: dedico mais de 30 anos de minha vida profissional à Educação Física, amo o que faço e tento, dentro de minhas limitações, contribuir com o reconhecimento da profissão.

Não quero acabar com a Educação Física e nem desvalorizar nossa área de conhecimento.


Um forte abraço.

8 comentários:

  1. Excelentes argumentos professor! Claro que deve-se sempre ressaltar que cabe o treinador de futebol a parte dele, mas ele não pode interferir na área de preparação física do time, pois aí sim cabe exclusivo ao profissional de Educaçao Física, correto? Abraço

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    1. Bom dia André, tudo bem?
      Agradeço imensamente seu contato.

      Muito obrigado pelas palavras e concordo com você: "cada qual no seu quadrado". O preparador físico tem que ter formação especializada, nesse caso, em Educação Física com pós-graduação em treinamento, preparação física ou algo similar.

      Não deixe de dar uma passada na página inicial e clicar em SEGUIR, no canto superior esquerdo da página e recomendar o blog para seus amigos. Será uma honra tê-lo como um seguidor do blog.

      Um grande abraço

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    2. Como professor de Karate, eu sempre acompanho a discussão de artes marciais x CREF e sempre tento colocar aos meus pares (de ambos os lados) que cada um tem a sua parte.

      O problema que vejo é professor de educação física que não sabe nada de lutas tentando ensinar - e passando informações erradas e técnicas perigosas - e professores de lutas que querem fazer preparação física ou treinamentos da moda e assim acabam "entortando" alunos.

      Como bem disseste, cada qual no seu quadrado ou que VÁ ESTUDAR!

      Abraço

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    3. Perfeito André!!!

      Sou do campo das lutas também, 5º DAN de Judô. Entendo exatamente o que você está falando.

      Os conhecimentos se somam, mas infelizmente, alguns se preocupam mais em defender seu espaço de trabalho do que analisar quem, de fato e por mérito, tem mais competência para esta ou aquela tarefa.

      O engraçado é que se torna uma discussão sem sentido: ninguém que não tenha vivenciado o Karate, usando o seu exemplo, irá se aventurar a ser técnico da modalidade. Em outras palavras, a vivência prática já existe: precisamos estimular a todos dizendo-lhes, se me permite parafraseá-lo: VÁ ESTUDAR!

      Saudações.

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  2. Perfeito , deveríamos ter Cursos de graduação Especificos para cada profissão e quem tivesse vontade de cursar o Bacharelado e a Lincenciatura, que o fizesse !! Curso de Graduação Superior Especifico daria mais flexibilidade, e mais objetividade, sem perder qualidade na formação!! Mais qualificação sem formação generalista como citou no texto acima nosso nobre amigo ! Concordo plenamente, sem demagogias e sem reserva de mercado, sem disciplinas que não servem para nada !!

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    1. Bom dia, como vai?
      Muito obrigado por seu comentário.

      Não penso que para cada segmento profissional haja a necessidade de um curso de graduação, uma vez que a formação nesse nível é por essência, generalista.

      Mas acredito que no caso em discussão, é possível uma formação específica sim, obviamente sem a amplitude que o curso de Educação Física dá aos seus egressos.

      Talvez um novo modelo de formação superior, com a previsão de módulos de formação intermediários, pudesse solucionar algumas dessas questões.

      Muito ainda para discutir.

      Um grande abraço.

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    2. Obrigado professor pelo seu comentário, sou seu fã pois é sempre muito centrado em sua colocações !Um novo modelo seria ideal para nossa área !! Temos que construir uma nova Educação Fisica para as novas gerações. A lei 9696/98 apresenta algumas falhas e que precisam ser corrigidas Acredito que o MEC precisa rever e ampliar as opções para a formação dos profissionais da área! Seria mais justo e coerente !! Grande abraço Mestre

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    3. Eu é que agradeço pelo retorno.

      Concordo também com a necessária revisão da Lei 9.696/98. Foi o possível há 19 anos, mas a profissão já amadureceu o suficiente para propor uma legislação compatível com os dias atuais.

      Não esqueça de clicar em SEGUIR, na página inicial, se ainda não o fez, é claro.

      Um forte abraço.

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