Em minha última postagem tratei
da questão do ex-goleiro Bruno, condenado dentre outros crimes por homicídio
triplamente qualificado, autorizado a ministrar aulas de futebol para crianças.
Afirmei que, antes de discutirmos se ele tem ou não formação, está a questão
moral de expormos crianças em desenvolvimento ao convívio com um “professor”
cujas as ações são reprováveis pela sociedade.
Saindo do caso concreto e
trazendo a discussão para o campo do geral, a pergunta é: treinadores de futebol
precisam ter formação superior em Educação Física?
Para ficar clara a posição deste
blogueiro, vou desmembrar o verbo “precisar”, a partir de duas diferentes
competências: a competência legal e a competência técnica.
Neste post, tratarei
exclusivamente da competência legal.
A Lei 9.696/98 estabeleceu, de
forma bastante genérica que:
Compete ao Profissional de Educação Física coordenar, planejar, programar, supervisionar, dinamizar, dirigir [...] todos nas áreas de atividades físicas e do desporto.
Por se tratar de um desporto, a
atividade de treinador de futebol está no rol daquelas de competência exclusiva de
profissionais de Educação Física. Assim, quem atua como treinador/técnico de futebol sem registro
junto ao CREF, seja como provisionado ou graduado, estaria exercendo
ilegalmente a profissão.
Ocorre que a Lei 8.650/93, anterior a Lei da Regulamentação, determina em seu artigo 3º que:
O exercício da profissão de Treinador Profissional de Futebol ficará assegurado preferencialmente: I - aos portadores de diploma expedido por Escolas de Educação Física ou entidades análogas, reconhecidas na forma da Lei;
Percebe-se, pela simples leitura
dos dois textos normativos, existir um conflito aparente entre normas: a Lei
9.696/98 estabelecendo a exclusividade e a Lei 8.650/93 dizendo tratar-se de uma
condição preferencial, mas não exclusiva.
Digo “aparente”, pois o sistema
normativo não pode admitir que duas leis digam coisas conflitantes sobre determinado direito. Sempre que isso acontece, é
necessário que se faça uso de alguns princípios para que se solucione o
aparente conflito, dentre eles, o princípio da ESPECIALIDADE.
Só para gastar um pouquinho o
latim, lex specialis derrogat generali (norma especial afasta a aplicação da
norma geral).
Assim, a Lei 8.650/93, que trata ESPECIALMENTE
do exercício da profissão de Treinador Profissional de Futebol, afastaria a
aplicação da Lei 9.696/98 que trata, de forma GERAL, do exercício das atividades
de Educação Física.
Como não há um comando normativo
na Lei 9.696/98 que restrinja, especialmente, a atuação da profissão de
treinadores de futebol aos formados em Educação Física, e a lei 8.650/93 fala
em preferência e não exclusividade, o colegiado do STJ entendeu, por
unanimidade, que não há previsão legal para a restrição de acesso às funções de
treinamento futebolístico apenas a profissionais diplomados.
O STJ possui jurisprudência firme e consolidada no sentido de que os arts. 2º, III, e 3º da Lei 9.696/1998 e 3º, I, da Lei 8.650/1993 não trazem nenhum comando normativo que determine a inscrição de treinadores/técnicos de futebol nos Conselhos Regionais de Educação Física. RECURSO ESPECIAL Nº 1.650.759 - SP (2016/0337617-6) RELATOR: MINISTRO HERMAN BENJAMIN. Publicado em 01/08/2017.
Portanto, ao contrário do que lemos
em muitos comentários sobre o tema “BRUNO”, ao treinar crianças na modalidade
futebol, o apenado não está, aos olhos do Superior Tribunal de Justiça,
cometendo nenhum exercício ilegal da profissão, assim como qualquer outro treinador de
futebol sem formação e registro junto ao Conselho Profissional.
Deixo claro, de antemão, que discordo do entendimento do STJ, mesmo porque, precisaríamos discutir o alcance da atuação do "treinador" e o significado do termo "preferencialmente", insculpido no art. 3º da Lei 8.650/93. No entanto (olha o latim aí de novo): dura lex sed lex.
No próximo, tratarei do “precisar”,
sob a ótica da competência técnica.
Aí é que “a porca torce o rabo”.
Abraços.
Excelente esclarecimento, e ai concordo que a PORCA VAI TORCE O RABO, a porca neste caso é a lei 9696/98, que deixa imensas lacunas inclusive entre licenciatura e bacharel e especialmente nestes casos omissos, que a justiça tem que resolver. Ai para a atuação dos profissionais de educação física os CREFs manda prender o profissional formado se não tiver o registro. E estes casos? realmente a porca vai torce o RABO, o rabo dos chamados cardeais (conselheiros e presidentes do sistema CONFEF. PARAFRASEANDO UM JORNALISTA AQUI DO PIAUI JÁ FALECIDO, "MORRO E NÃO VEJO TUDO".
ResponderExcluirUm forte abraço professor
Muito obrigado por seu contato e por me prestigiar sempre José Carlos.
ExcluirÉ verdade!!!
A Lei 9.696/98, que a foi a lei possível de ser elaborada há 19 anos atrás, tem que ser revisada, dando lugar a um novo texto normativo que permita uma maior proteção à sociedade no campo da atividade física e do desporto.
Infelizmente, embora até perceba alguns tentando caminhar nessa direção, a maioria ainda está preocupada em manter o status quo.
Sou obrigado a reconhecer a profundidade de sua citação "MORRO MAS NÃO VEJO".
Um forte abraço.
É... isso é 'um tapa na cara' do CONFEF, e uma desvalorização na nossa classe! LAMENTÁVEL.
ResponderExcluirBom dia Antônio Carlos, como vai?
ExcluirMuito obrigado por seu comentário.
Essa discussão é bastante complexa e vai necessariamente passar pela questão da formação técnica, tema que tratarei na próxima postagem.
Mas no que se refere ao CONFEF, penso que nós profissionais também, não fazemos a nossa parte quando deixamos que as coisas ocorram e pouco nos manifestamos.
Venho tentando trazer os pontos para discussão e percebo que nossa categoria profissional ainda não está muito preocupada com os ataques constantes que sofremos, em todos os campos de nossa atuação: é a retirada das aulas de Educação Física em alguns anos da educação básica, o surgimento das academias low cost com 200 alunos para um professor, são as investidas do Senador Romário querendo ampliar a lei 8.650 para todos os treinadores de todas as modalidades coletivas e muitas outras que ainda virão.
O Sistema tem sua parcela de culpa sim, mas o Sistema "somos" nós, ou pelo menos deveriamos ser.
Enquanto isso, seguimos dando milho aos pombos.
Um grande abraço.
Professor Roberto, tem um professor aqui na cidade que esta treinando algumas turmas...inclusive meu filho e aluno...mas ele não tem formação em Educação Física...e esta sendo perseguido por algumas escolinhas etc...tendo iniciado agora no curso de Educação Física...o que posso fazer no sentido pra ajuda-lo, para que consiga continuar com esses treinos...ate concluir a faculdade...existe alguma liminar nesse sentido.
ResponderExcluirBom dia, como vai?
ExcluirMuito obrigado por seu comentário.
Essa situação é bem complexa.
Na verdade, sou totalmente favorável à exigência de formação superior em Educação Física para aqueles que trabalhem com atividades desportivas de base, especialmente quando os beneficiários da atividade são crianças.
Neste sentido, não tenho muito como lhe ajudar, pois ética e tecnicamente defendo a fiscalização por parte do Conselho Profissional.
Existem sim algumas decisões judiciais favoráveis aos treinadores de futebol, mas para ser coberto pelo manto de tais entendimentos, o instrutor em questão terá que demandar em juízo.
Grande abraço.
olá revivendo o post rsrsrs. sou ex- atleta e tenho carteira de tecnico profissional do RS,
ResponderExcluirpara trabalhar na base ainda preciso de ed.Fisica?
Oi Christian, tudo bem?
ExcluirContinuamos na ativa, por aqui rsrsrsrs.
Em algumas modalidades, mais especificamente no Futebol e nas lutas, existem decisões na Justiça favoráveis a atuação de ex-atletas profissionais como treinadores, sem a necessidade de formação em Educação Física.
Nas demais modalidades existem decisões favoráveis e desfavoráveis.
Como você não me disse em qual modalidade atuou, só posso te responder de forma genérica. De qualquer forma, o CREF de sua região poderá fiscalizar e autuá-lo, a menos que seja em umas das modalidades citadas acima.
Um grande abraço.