sexta-feira, 25 de agosto de 2017

SUBSTÂNCIAS ILÍCITAS NAS ACADEMIAS: NOVELA RETRATOU A REALIDADE?

No último dia 24, a novela da Rede Globo, A FORÇA DO QUERER, que vai ao ar diariamente às 21h15min, exibiu uma cena onde um personagem, profissional de Educação Física, vende um hormônio à outra personagem, que vive angústias em relação ao próprio corpo.

Confesso que pensei 10 vezes antes de postar sobre o tema. Primeiro, porque não queria criar polêmica que daria ainda mais importância ao fato. Depois, porque tinha certeza que diversos colegas mais competentes que eu se manifestariam e eu acabaria sendo repetitivo.

Como previsto, vieram as legítimas manifestações de repúdio e indignação e, com elas, os mais diversos comentários. Aí, apaixonado pela minha profissão e habituado a sempre me posicionar sobre os temas que a rodeiam, resolvi fazer esta postagem.

O que mais me preocupou foi ler colegas de profissão se manifestando no sentido de que a novela só retratou uma suposta realidade e que, de fato, a venda de substâncias ilícitas é comum dentro das academias. Alguns chegaram a citar percentuais acima de 80% de estabelecimentos onde este tráfico ocorreria.

Bom...não vou nem entrar no mérito destes indicadores, que nascem sei lá de onde, e que buscam dar credibilidade a afirmações completamente sem fundamento.

O que me preocupa é a ingenuidade em não se perceber que comentários como estes reforçam um estereótipo que há muito combatemos. Avançamos com a regulamentação e amadurecimento científico da profissão. Hoje já ocupamos um lugar, se não com o reconhecimento e valorização que merecemos, ao menos de mais destaque do que há 20 anos. E isso não tem sido fácil de conquistar e de manter.

Somos constantemente alvo da ignorância dos gestores públicos que desconhecem a relevância da Educação Física como componente curricular imprescindível à formação de crianças e jovens; dos legisladores e da Justiça que, em defesa de pequenos grupos, colocam a sociedade em risco ao permitir que pessoas sem a devida capacitação ofertem serviços na área da saúde; da mídia (ou parte dela) que ainda nos vê como narcisistas, de baixa capacidade intelectual e, como no caso em tela, vendedores de esteroides anabolizantes.

Ok...sabemos que existem criminosos diplomados em Educação Física que vendem tais substâncias. Estes têm que ser denunciados e banidos da profissão, além de responderem pelos crimes previstos no Código Penal.

Mas também existem os médicos que reutilizam próteses e prescrevem medicamentos com base em suas relações com as indústrias farmacêuticas; os advogados que orientam os seus clientes a falsificarem suas assinaturas; os policiais que atuam mais como bandidos do que como agentes da lei; os engenheiros que assinam os projetos de construção e nunca põem os pés no canteiro de obras.

Em suma, existem profissionais incompetentes e sem ética em qualquer profissão, mas em poucas percebo, de forma tão gritante, a síndrome de “vira-lata” comum na nossa.

Não podemos estereotipar uma categoria pelos maus exemplos que não representam um conjunto de profissionais. Isso serve para os médicos, advogados, policiais, engenheiros e...para os PROFISSIONAIS DE EDUCAÇÃO FÍSICA.

Deveríamos investir mais em divulgar os bons exemplos. Colocar na mídia os maravilhosos serviços prestados à sociedade, quase sempre com o sacrifício hercúleo de profissionais que abraçam causas e sonhos, muitas vezes sem o retorno financeiro necessário.

A novela simplesmente retratou a realidade...não a das academias, mas a realidade de um país que menospreza o que é certo e supervaloriza o que há de pior e reprovável.

País no qual a inversão de valores nos leva a situações onde o certo é fazer o errado. Onde os homens de sucesso, via de regra, são aqueles que ignoram a ética, as relações humanas e o direito do próximo.

É possível que nos próximos capítulos do folhetim, o criminoso travestido de profissional, responda pelos seus atos e aí, de certa forma, a mensagem poderá ser até positiva.

Mas se não mudarmos a nossa postura e não aprendermos a nos posicionar como um corpo, continuaremos sendo alvos fáceis de quem, por ignorância ou interesses escusos, nos vê, ainda, como aqueles que por não terem nenhuma outra aptidão, resolveram cursar Educação Física.

Somos profissionais da Saúde, da Educação, do Esporte. Lidamos com gente: com crianças, com jovens e com idosos.

Somos Profissionais de Educação Física e exigimos respeito, inclusive o próprio.

  

Saudações.

domingo, 20 de agosto de 2017

EDUCAÇÃO FÍSICA PARA QUE, SE QUERO SER TREINADOR DE FUTEBOL?

Começando por onde terminei a postagem anterior, na qual tratei da competência legal do treinador de futebol, chegou a hora da “porca torcer o rabo”.
Sei que a posição que ora apresento é bastante polêmica e certamente irá despertar muitos comentários contrários, o que é sempre muito bom, ao menos para mim que aprendo com cada debate.

Para deixar claro, de antemão penso que para qualquer atividade laboral, o profissional precisa de formação e isso não é diferente para o treinador de futebol. Obviamente, somente a experiência acumulada ao longo da vida de atleta não credencia ninguém a atuar como treinador. É preciso uma formação técnico-científica que se some à prática desportiva.

O que discuto é qual o nível de formação necessário para que alguém possa atuar como treinador de uma equipe profissional de futebol. Será que é realmente necessária a conclusão do curso superior de Educação Física?

Usando como parâmetro a matriz curricular de um curso de Bacharelado em Educação Física de uma universidade pública do Rio de Janeiro, pergunto: para alguém que queira atuar EXCLUSIVAMENTE como treinador de futebol, o que contribuirão disciplinas como:

Ginástica Geral Analítica I e II; Iniciação à Informática; Teoria dos Desportos Individuais; Práticas Metodológicas dos Desportos Individuais I, II e III; Estudos do Lazer na Atividade Física; Recreação na Educação Física; Nutrição Aplicada à Educação Física; Práticas Metodológicas do Voleibol; do Handebol; do Basquetebol; da Natação; Folclore e Culturas Populares; Gerontologia; Educação Física Adaptada; Teoria e Prática do Lazer; Dança na Educação Física; Políticas Públicas de Saúde na Educação Física; Educação Física Comunitária; Atividade Física em Parques Aquáticos?

IMPORTANTE:

Estou me referindo exclusivamente àqueles que pretendem atuar como treinadores de futebol de equipes profissionais. Se formos falar de treinamento para categorias de base, a coisa muda completamente de figura, uma vez que o conhecimento de outras modalidades e manifestações culturais é imprescindível para quem ministra atividades desportivas para crianças, cujo principal objetivo no que se refere à aprendizagem de habilidades especializadas é o aumento do repertório motor, que depende diretamente da variabilidade de prática.

Em minha modesta opinião, o treinador de futebol de categorias principais não necessita, via de regra, de diploma de Educação Física. O que não quer dizer que não precise de formação.

Antecipando os contra-discursos:

  • sem a formação em Educação Física coloca-se em risco a sociedade – se considerarmos que somente um número relativamente insignificante de atletas consegue chegar ao alto rendimento, a “sociedade” não está em risco. Se além disso, na formação esses atletas forem treinados por profissionais de Educação Física, aí nem mesmo eles estarão tão expostos;
  • todo treinador é um professor – em que pese a carga apaixonada do discurso, treinador de equipes profissionais não atua como professor, embora nada impeça que o seja. O objetivo é o resultado, mesmo porque, os atletas já chegam praticamente formados. Os professores devem estar nas categorias de base, onde todas as dimensões de desenvolvimento dependem dos estímulos corretos;
  • sem formação em Educação Física os “leigos” dominarão o mercado – leigo é aquele que revela pouca ou nenhuma familiaridade com determinado assunto, no nosso caso, com treinamento de futebol. Sob esta ótica, apesar dos 32 anos de magistério e alguns cursos realizados, me declaro leigo para treinar equipes desta e de diversas outras modalidades desportivas;
  • essa fragmentação desvaloriza a profissão de Educação Física – a valorização deve passar, necessariamente, pelo reconhecimento claro por parte da sociedade de qual é a contribuição que a nossa profissão pode dar através de suas atribuições/ações. Defender que o trabalho com crianças na base do desporto seja desenvolvido exclusivamente por profissionais de Educação Física, me parece bastante palatável. Defender que somente profissionais de Educação Física possam dirigir equipes profissionais de futebol, soa como reserva de mercado.
  • os cursos de graduação formam profissionais generalistas – o problema é que o modelo de curso que temos no Brasil forma o SUPER-GENERALISTA, habilitado para tudo...capacitado para pouco. Se tivéssemos modelos como em outros países, com uma formação básica comum nos primeiros anos e com a possibilidade de aprofundamento em áreas de interesse dos estudantes, poderíamos pensar de outra forma. Aliás, as diretrizes curriculares da Graduação em Educação Física sugerem exatamente isso:

A critério da Instituição de Ensino Superior, o projeto pedagógico do curso de graduação em Educação Física poderá propor um ou mais núcleos temáticos de aprofundamento, utilizando até 20% da carga horária total, articulando as unidades de conhecimento e de experiências que o caracterizarão.

Diante de todo o exposto, acredito que deveríamos rediscutir todo o modelo de formação em Educação Física no Brasil e, depois disso, estabelecer os limites de atuação profissional. Ampliar o escopo do Conselho para admitir (agora eu apanho! 😁) outros segmentos de categoria, como treinadores desportivos, talvez... Lutar pela revisão da Lei 8.650/93, não para impedir que não diplomados possam atuar como treinadores de futebol, mas para delinear claramente qual a formação necessária para cada "treinador", de acordo com sua efetiva atuação: para a base, apenas profissionais de Educação Física.

Bom... o tema é complexo e a postagem já está muito longa. Vou ficando por aqui.

Só para deixar claro: dedico mais de 30 anos de minha vida profissional à Educação Física, amo o que faço e tento, dentro de minhas limitações, contribuir com o reconhecimento da profissão.

Não quero acabar com a Educação Física e nem desvalorizar nossa área de conhecimento.


Um forte abraço.

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

TREINADORES DE FUTEBOL NÃO PRECISAM DE FORMAÇÃO ACADÊMICA

Em minha última postagem tratei da questão do ex-goleiro Bruno, condenado dentre outros crimes por homicídio triplamente qualificado, autorizado a ministrar aulas de futebol para crianças. Afirmei que, antes de discutirmos se ele tem ou não formação, está a questão moral de expormos crianças em desenvolvimento ao convívio com um “professor” cujas as ações são reprováveis pela sociedade.

Saindo do caso concreto e trazendo a discussão para o campo do geral, a pergunta é: treinadores de futebol precisam ter formação superior em Educação Física?

Para ficar clara a posição deste blogueiro, vou desmembrar o verbo “precisar”, a partir de duas diferentes competências: a competência legal e a competência técnica.

Neste post, tratarei exclusivamente da competência legal.

A Lei 9.696/98 estabeleceu, de forma bastante genérica que:

Compete ao Profissional de Educação Física coordenar, planejar, programar, supervisionar, dinamizar, dirigir [...] todos nas áreas de atividades físicas e do desporto.

Por se tratar de um desporto, a atividade de treinador de futebol está no rol daquelas de competência exclusiva de profissionais de Educação Física. Assim, quem atua como treinador/técnico de futebol sem registro junto ao CREF, seja como provisionado ou graduado, estaria exercendo ilegalmente a profissão.

Ocorre que a Lei 8.650/93, anterior a Lei da Regulamentação, determina em seu artigo 3º que:

O exercício da profissão de Treinador Profissional de Futebol ficará assegurado preferencialmente:    I - aos portadores de diploma expedido por Escolas de Educação Física ou entidades análogas, reconhecidas na forma da Lei;

Percebe-se, pela simples leitura dos dois textos normativos, existir um conflito aparente entre normas: a Lei 9.696/98 estabelecendo a exclusividade e a Lei 8.650/93 dizendo tratar-se de uma condição preferencial, mas não exclusiva.

Digo “aparente”, pois o sistema normativo não pode admitir que duas leis digam coisas conflitantes sobre determinado direito. Sempre que isso acontece, é necessário que se faça uso de alguns princípios para que se solucione o aparente conflito, dentre eles, o princípio da ESPECIALIDADE.

Só para gastar um pouquinho o latim, lex specialis derrogat generali (norma especial afasta a aplicação da norma geral).

Assim, a Lei 8.650/93, que trata ESPECIALMENTE do exercício da profissão de Treinador Profissional de Futebol, afastaria a aplicação da Lei 9.696/98 que trata, de forma GERAL, do exercício das atividades de Educação Física.

Como não há um comando normativo na Lei 9.696/98 que restrinja, especialmente, a atuação da profissão de treinadores de futebol aos formados em Educação Física, e a lei 8.650/93 fala em preferência e não exclusividade, o colegiado do STJ entendeu, por unanimidade, que não há previsão legal para a restrição de acesso às funções de treinamento futebolístico apenas a profissionais diplomados.

O STJ possui jurisprudência firme e consolidada no sentido de que os arts. 2º, III, e 3º da Lei 9.696/1998 e 3º, I, da Lei 8.650/1993 não trazem nenhum comando normativo que determine a inscrição de treinadores/técnicos de futebol nos Conselhos Regionais de Educação Física. RECURSO ESPECIAL Nº 1.650.759 - SP (2016/0337617-6) RELATOR: MINISTRO HERMAN BENJAMIN. Publicado em 01/08/2017.

Portanto, ao contrário do que lemos em muitos comentários sobre o tema “BRUNO”, ao treinar crianças na modalidade futebol, o apenado não está, aos olhos do Superior Tribunal de Justiça, cometendo nenhum exercício ilegal da profissão, assim como qualquer outro treinador de futebol sem formação e registro junto ao Conselho Profissional.

Deixo claro, de antemão, que discordo do entendimento do STJ, mesmo porque, precisaríamos discutir o alcance da atuação do "treinador" e o significado do termo "preferencialmente", insculpido no art. 3º da Lei 8.650/93. No entanto (olha o latim aí de novo): dura lex sed lex.

No próximo, tratarei do “precisar”, sob a ótica da competência técnica.

Aí é que “a porca torce o rabo”.


Abraços.

sábado, 12 de agosto de 2017

BRUNO NÃO É FORMADO EM EDUCAÇÃO FÍSICA. E DAÍ?????

A autorização da justiça mineira para que o ex-goleiro Bruno, condenado a 22 anos e 3 meses de prisão pelo homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver de Eliza Samúdio e também pelo sequestro e cárcere privado do próprio filho, possa ministrar aulas de futebol para crianças, gerou bastante polêmica nos últimos dias.


Tanto o CONFEF quanto o CREF1 emitiram notas de repúdio à decisão.

Me preocupou, no entanto, o caráter eminentemente corporativista da grande maioria dos comentários nas diversas postagens sobre o tema. Motivado por este viés de “reserva de mercado”, resolvi emitir minha visão sobre o assunto.

Em minha modesta opinião, o fato do ex-goleiro Bruno não ser formado em Educação Física é totalmente secundário no caso concreto. Ainda que o fosse, a justiça jamais poderia permitir que um assassino pudesse, ainda no cumprimento de sua pena, trabalhar com a formação de crianças e jovens.

Imaginem a situação do condenado por pedofilia prestar serviços em uma creche ou o médico, detento por diversos crimes de estupro, poder reduzir sua pena trabalhando como ginecologista.

Nestes casos, ter ou não a formação é irrelevante, uma vez que o perigo de expor vulneráveis ao convívio com pessoa cujas ações são reprováveis pela sociedade ao ponto de levá-las a perder sua liberdade, se sobrepõe a qualquer direito individual de ressocialização, diga-se de passagem, imprescindível em um modelo carcerário que pretenda a recuperação dos apenados.

Ainda me reportando ao caso concreto, tratam-se de crianças cujos pais são detentos ou ex-detentos. Ora, crianças cujos exemplos familiares não são dos melhores, agora serão expostas ao convívio com um “professor” cuja conduta social é tão ou mais reprovável que a de seus guardiões. Se para quaisquer crianças o fato já seria inadmissível, para estas a realidade é um agravante.

Sabemos o encantamento que professores de atividades desportivas costumam causar nos seus alunos. No caso em tela, esse encantamento é potencializado por se tratar de um ex-jogador de futebol de um grande clube. Nada justifica o risco que essa relação pode gerar no processo de formação dessas crianças, que precisam ser cuidadosamente amparadas pelo Estado. Ressalto: a preocupação maior aqui não é com os riscos advindos da prática de atividades físicas sem a devida orientação, mas sim, do perfil social forjado a partir desta relação. 

O que esperar dessas crianças no futuro, com pais e professor de futebol detentos e ex-detentos?? Embora não exista um determinismo, o universo não está conspirando a favor.

Volto a afirmar: o direito ao trabalho dos apenados é legítimo e tem que ser garantido pela sociedade, se é que queremos recuperar os condenados, mas há de se ter cautela para que, em nome desta ressocialização, não coloquemos em risco os beneficiários das ações laborais dos detentos.

Restringir a discussão à inexistência de habilitação, é voltar a preocupação para a ótica meramente corporativista. Estaríamos dizendo que, para determinarmos sua aptidão a ministrar aulas de futebol para crianças, o fato dele não ser formado em Educação Física é mais significativo do que ter sido condenado por homicídio triplamente qualificado, ocultação de cadáver e pelo sequestro e cárcere privado de um bebê.

Em síntese: ainda que o ex-goleiro Bruno fosse formado em Educação Física com registro no CREF de sua região, jamais poderia, visando à sua reintegração social e como forma de diminuição de sua pena, trabalhar na formação de crianças.

O ultraje não foi a nós, profissionais de Educação Física: foi a todo cidadão de bem deste país.

Esta é a opinião deste blogueiro, como sempre, aberta a quaisquer críticas.

Abraços.