sábado, 12 de agosto de 2017

BRUNO NÃO É FORMADO EM EDUCAÇÃO FÍSICA. E DAÍ?????

A autorização da justiça mineira para que o ex-goleiro Bruno, condenado a 22 anos e 3 meses de prisão pelo homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver de Eliza Samúdio e também pelo sequestro e cárcere privado do próprio filho, possa ministrar aulas de futebol para crianças, gerou bastante polêmica nos últimos dias.


Tanto o CONFEF quanto o CREF1 emitiram notas de repúdio à decisão.

Me preocupou, no entanto, o caráter eminentemente corporativista da grande maioria dos comentários nas diversas postagens sobre o tema. Motivado por este viés de “reserva de mercado”, resolvi emitir minha visão sobre o assunto.

Em minha modesta opinião, o fato do ex-goleiro Bruno não ser formado em Educação Física é totalmente secundário no caso concreto. Ainda que o fosse, a justiça jamais poderia permitir que um assassino pudesse, ainda no cumprimento de sua pena, trabalhar com a formação de crianças e jovens.

Imaginem a situação do condenado por pedofilia prestar serviços em uma creche ou o médico, detento por diversos crimes de estupro, poder reduzir sua pena trabalhando como ginecologista.

Nestes casos, ter ou não a formação é irrelevante, uma vez que o perigo de expor vulneráveis ao convívio com pessoa cujas ações são reprováveis pela sociedade ao ponto de levá-las a perder sua liberdade, se sobrepõe a qualquer direito individual de ressocialização, diga-se de passagem, imprescindível em um modelo carcerário que pretenda a recuperação dos apenados.

Ainda me reportando ao caso concreto, tratam-se de crianças cujos pais são detentos ou ex-detentos. Ora, crianças cujos exemplos familiares não são dos melhores, agora serão expostas ao convívio com um “professor” cuja conduta social é tão ou mais reprovável que a de seus guardiões. Se para quaisquer crianças o fato já seria inadmissível, para estas a realidade é um agravante.

Sabemos o encantamento que professores de atividades desportivas costumam causar nos seus alunos. No caso em tela, esse encantamento é potencializado por se tratar de um ex-jogador de futebol de um grande clube. Nada justifica o risco que essa relação pode gerar no processo de formação dessas crianças, que precisam ser cuidadosamente amparadas pelo Estado. Ressalto: a preocupação maior aqui não é com os riscos advindos da prática de atividades físicas sem a devida orientação, mas sim, do perfil social forjado a partir desta relação. 

O que esperar dessas crianças no futuro, com pais e professor de futebol detentos e ex-detentos?? Embora não exista um determinismo, o universo não está conspirando a favor.

Volto a afirmar: o direito ao trabalho dos apenados é legítimo e tem que ser garantido pela sociedade, se é que queremos recuperar os condenados, mas há de se ter cautela para que, em nome desta ressocialização, não coloquemos em risco os beneficiários das ações laborais dos detentos.

Restringir a discussão à inexistência de habilitação, é voltar a preocupação para a ótica meramente corporativista. Estaríamos dizendo que, para determinarmos sua aptidão a ministrar aulas de futebol para crianças, o fato dele não ser formado em Educação Física é mais significativo do que ter sido condenado por homicídio triplamente qualificado, ocultação de cadáver e pelo sequestro e cárcere privado de um bebê.

Em síntese: ainda que o ex-goleiro Bruno fosse formado em Educação Física com registro no CREF de sua região, jamais poderia, visando à sua reintegração social e como forma de diminuição de sua pena, trabalhar na formação de crianças.

O ultraje não foi a nós, profissionais de Educação Física: foi a todo cidadão de bem deste país.

Esta é a opinião deste blogueiro, como sempre, aberta a quaisquer críticas.

Abraços. 

6 comentários:

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    1. Aldir, tudo bem?
      Muito obrigado por seu comentário e pelo apoio.

      Um grande abraço.

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  2. Prezado(a), o posicionamento dos órgãos de fiscalização profissional não pode ir além daquilo que a lei determina como escopo de suas atribuições.Obviamente, as pessoas que se posicionaram, respondendo pelos Conselhos, têm uma opinião pessoal similar à sua e minha. Porém, se a posição externada oficialmente fosse extrapolar as competências daqueles órgãos, certamente alguém poderia arguir sobre este direito e fazer julgamentos sobre a pertinência, ou não, de Conselhos exercendo posicionamentos de caráter jurídicos, o que não lhes cabe, se for algo além da fiscalização do exercício profissional. Acho que foi este o motivo daquelas posições apresentadas pelos Conselhos federal e regional.

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    1. Prezado Prof. Edvaldo de Farias, como vai?
      É um prazer e uma honra tê-lo aqui como interlocutor em meu blog. Sua presença só o qualifica.
      Muito obrigado.

      Na verdade, a postagem em discussão não foi motivada pelas notas de repúdio emanadas dos conselhos Federal e Regional, mesmo porque em ambas, especialmente a do CONFEF, estão explicitadas as duas preocupações: a de cunho mais geral, referente ao perfil social do Bruno, e a especial, que trata da inexistência de formação superior em Educação Física. Aliás, como não poderia deixar de ser dado o escopo de suas atribuições, como muito bem destacado em seu comentário.

      Minha preocupação, externada no início de minha "fala", perpassa pelo eixo condutor da grande maioria dos comentários, claramente de cunho corporativistas. Cabe ressaltar, e não estou fazendo juízo de valor, somente uma constatação, que no caso do Bruno, por se tratar da modalidade futebol, não há sequer entendimento da justiça de que ele estaria exercendo ilegalmente a profissão. Não é uma questão legal que alicerça a postagem: é uma questão moral.

      Por fim, não estou tão seguro quanto a falta de pertinência, no caso in concreto, de um posicionamento/ação mais contundente do Conselho Federal. A fiscalização do exercício profissional, em minha modesta opinião, não é o escopo primário dos conselhos profissionais. Na verdade, trata-se do instrumento através do qual busca-se proteger a sociedade do exercício irregular, seja cometido por pessoas não habilitadas ou por habilitados que não cumprem os preceitos técnico-éticos da profissão. Outros instrumentos que se somam são: a regulamentação complementar, a orientação à sociedade, a valorização profissional, dentre outros.

      Assim sendo e com esta crença, caberia ao Conselho Federal mobilizar outras entidades relacionadas à proteção de crianças e pressionar o MP/MG para que a autorização dada ao ex-goleiro Bruno possa ser revista. Aliás, a nota de repúdio do CONFEF afirma que ele fará algo nesta linha.

      Como disse, é um prazer tê-lo por aqui.

      O blog, além de objetivar trazer alguns pontos para discussão, serve para meu constante aprendizado e amadurecimento profissional através da oportunidade do debate. Por isso, sempre sou muito grato a todos os debatedores.

      Saudações.

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  3. Prezado profesor Roberto, mais uma vez venho externar o que penso sobre este trágico posicionamento da justiça brasileira(será que exerce realmente a justiça, não sei mais, por trás de toda decisão a uma decisão unilateral). Os magistrados neste país fazem o querem não respeita a lei e as instituições. Só os seus interesses pessoais e suas conveniências. A Sociedade que a maioria está refém da minoria. Está é uma questão que nem era para estar se discutido. Mas este é o Brasil. é pra sorrir ou para chorar? (Gabriel Pensador).

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    1. Como vai José Carlos?
      Agradeço imensamente seu comentário.

      Infelizmente, algumas decisões são tomadas em consideração à letra fria da lei. Fosse simplesmente para interpretar o que está escrito, bastariam pessoas alfabetizadas e com um pouco de cultura para que as decisões fossem tomadas na justiça. Mas não é assim, ou pelo menos não deveria ser.

      É claro que à todo apenado deve ser garantido o direito ao trabalho, principal forma de reintegração social. Também têm que ser garantidas as progressões de regime previstas em lei, exatamente para que o preso possa almejar um objetivo a ser alcançado ao longo do cumprimento de sua pena. Podemos até discutir de o ex-goleiro tem autorização legal para ministrar aulas de futebol sem a devida formação, face a lacuna deixada pela Lei 8.650/93.

      O que na minha opinião é indiscutível, é a agressão ao direito de proteção das crianças ao serem expostas ao convívio com um detento, condenado por diversos crimes hediondos.

      Por isso tenho afirmado: mais do que uma questão legal, trata-se de uma questão moral.

      Um grande abraço.

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